segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Gabriela



Não sei se por amor ou por desprendimento, Gabriela arrumou suas coisas e decidiu sair. Não levou muito. Não tinha, na verdade, muito: um casaco contra o frio, um prendedor de cabelo de metal, quatro mudas de roupas dentro de uma mochila – única coisa que ela levava do seu namorado ou ex-namorado - Ela não sabia ao certo porque não terminara nenhum relacionamento e talvez nem lembrasse que em algum tempo o tivera iniciado.

Nos ouvidos zunia a única tecnologia que Gabriela transportava nessa viagem. Podia estar escutando rock’n roll ou Heavy Metal que combinavam muito bem com sua tatuagem colorida de dragão, impressa nas costas nuas. Mas em vez disso escutava Elis Regina cantando Atrás da Porta e também Nana Caymmi, mas algo que eu não saberia dizer.

Ao dar a última olhada na sala bem mobiliada, e já com sua vida sobre os ombros, Gabriela ainda teve ímpeto de alinhar o quadro torto da parede. Também quis girar mais uma vez a manivela da caixinha de música que ganhara de seu pai e que deixaria sobre a mesa prendendo o seu bilhete de despedida. Queria que o seu namorado ou ex-namorado a escutasse, ou antes, ou depois, de ler o que tinha escrito.

Ela não ajeitou o quadro, nem girou a pequena manivela da caixinha de música. Não sabia ao certo se isso era ser dramática. Nunca havia pensado a sério nisso e não estava disposta em fazê-lo agora. A idéia só tinha lhe passado pela cabeça. Então se lembrou, ainda, de tomar água e de ir ao banheiro (sem dar descarga) antes de ir embora. E pensou que não dar descarga seria a sua vingança contra o seu ex-namorado ou ainda namorado. Não que ela tivesse raiva dele. Queria só se vingar, porque achava que não poderia abandonar ninguém sem uma vingança.

Abriu a porta, pegou as suas chaves com o chaveiro de alguma concessionária de automóvel e fechou-a atrás de si. Colocou-a, depois, sob o tapete da porta principal.
No bilhete sobre a mesa e preso pela caixinha de música que seu namorado, enfim, não tocou antes de lê-lo, ou mesmo depois, estava escrito:

“Querido:
Fui comprar leite. Volto já.
Beijo.”

E o seu namorado (ou ex-namorado) só conseguia lembrar que ela era alérgica a lactose.

Gabriela gostava de clichês.

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