quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A saudade e sua teia



Tece a aranha no espaço a teia
Como o tempo que escorre da mão
Fio a fio corta o vazio como uma veia
Gota a gota se esvai pelo chão

Prende o inseto da memória que vagueia
Espreme o sumo da carne no vão
Sorve o doce do passado que se alheia
Ao presente morto agora então!

Porque o tempo não passa, estaqueia,
Nas almas que preferem a razão
A aranha só constrói a sua teia 
Onde ainda bate um coração.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Estátua




Se no rio as águas se movem alvoroçadas
Com meu corpo e o e teu no remanso
Meu pensamento não conhece descanso
Das memórias que não foram abandonadas!

Ah, alma insana, em vão pranto deixada!
Só sonhais os encantos daquela breve jornada!
Eu sou em ti apenas a lembrança tresloucada
Da terçã que te deixou, à noite, acordada!

E assim no transporte leve da madrugada
Acordamos nos ombros de uma estrada:
De um lado, vou-me mocho com a alvorada.

Dou outro, fazes-te de estátua, parada.
E nesse lusco-fusco da tua cintilante estada,
Passa-se o longo tempo e não se faz nada.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Fim de Samba



Eu conjurei o passado teu
Nas lágrimas do vasto mar
que nunca mais água verteu!
Esquecei, amor meu...
Deixai o passado passar
que anjo que voa ao contrário
Não faz milagre no ar!

Te trouxe deitada, aqui, eu,
Pra meu vão e sombrio ateneu!
E nascestes como feito aurora
No crepúsculo do leito meu!
Na mais triste e perdida hora
No mais longo grito de Romeu
Na despedida, na desforra!

Eu conjurei o passado teu
Nas lágrimas do vasto mar
que nunca mais água verteu!
Esquecei, amor meu...
Deixai o passado passar
que anjo que voa ao contrário
Não faz milagre no ar!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Toadinha Inspirada



Hoje eu sonhei acanhado
com o beijo que te dei...
Queria ter-te ao meu lado
do jeitinho que te deixei!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Bloody Mary


     Ele entrou despedaçado na primeira boate que se lhe materializou à frente. Não teve tempo de observar nada, nem de saber se tinha no bolso dinheiro suficiente para pagar, sequer, a consumação mínima daquele antro burguês. Só podia lembrar-se de seu mundo ruir, sem fazer barulho, ao escutar a negativa de quem ele amava. Ela não se casaria com ele, não seria sequer sua namorada. Ele tentou capitular... até desistira, de joelhos, do pedido de casamento, da casa que havia intentado comprar com o financiamento que, agora, pensando bem, duraria muito mais que o amor que ambos sentiam um pelo outro. E, no fim das contas, o problema dos financiamentos imobiliários é exatamente esse: eles fatalmente duram mais anos e menos alegres dias que as histórias de amor que deveriam coroar, como a cereja no coquetel alcoólico que ele acabava de pedir no balcão. Uma bebida de homem, avermelhada, que bem poderia ser um Bloody Mary, mas que, naquela noite, seria qualquer outra bebida - porque Maria, aquela Maria de sua vida inteira, essa não entraria mais nele, não lhe correria nas veias nem sob o pretexto do entorpecimento, da loucura, do desfalecimento dos sentidos.
     Manoel rodava com seus olhos turvos e dois anéis de noivado enfiados no mesmo dedo anelar, como um adorável desvairado viúvo que perdera a esposa nas núpcias e que a acabara de enterrar. Tinha olhos lindos do genuíno sofrimento dos que buscam nascer de novo, na noite de flashes entrecortados por mulheres esvoaçantes do amplo salão atrás de si. Estocava em sua mente a batida elétrica da frustração moderna e liberal. Mas não só isso: ele maldizia a contemporaneidade, queria tornar-se muçulmano, impedir a liberdade feminina, revoltar-se contra a desordem atual, queria calar o não, ser egoísta: o filho único de uma mãe zelosa e devotada.
     Mas ainda assim, tão arredio a elas - às mulheres e suas liberdades do século XX - não podia deixar de observar a linda fêmea embriagada que agarrava-se desdenhosamente ao mastro de uma plataforma à cinco metros de sua mesa. Fêmea porque ele, aborrecido, tendia a entendê-las mais como animais de outra espécie, do que como homo sapiens sapiens. Eram, talvez, neandertalensis sem coração. Mulheres brutas como a que rodopiava agarrada a um poste sem aperceber-se do ridículo que punha toda sua beleza a perder. Um sorriso incontido, de nervosismo, dez gritos de “gostosa” e, um minuto depois, os olhos cheios de lágrima, mostravam quão incompatível com todo aquele divertimento era toda aquela frustração mal escondida no decote pronunciado e na saia diminuta.
    Queria vingar-se de alguém, é verdade. Talvez estivesse segura de que estava vingando-se desse desconhecido outrem, até o quinquagésimo nono segundo de sua dança sensual no queijo da boate. Ela rodopiou e beijou dois homens próximos à sua performance - e sua magia toda se foi em seguida, desfeita num choro infantil e quase incompreensível.
     Ele não a assistia. E ela rodopiara e beijara a outros em memória dele. Outros homens talvez jamais a compreendessem. Ele, o incógnito alvo da vingança, jamais a perdoaria, se algum dia descobrisse a honrosa homenagem. A boate vibrava por ela. Uma amiga, daquelas que descobrem os pensamentos e as tristezas antes de elas nascerem, a abraçou e levou para uma mesa de canto, escura o bastante para que ninguém pudesse desvendar o retorno da consciência e a morte momentânea daquele caos.
     Eu gostaria de saber se ela se lembraria do que ocorrera naquela noite. Gostaria mesmo de saber se ela lembraria algum dia do que fizera sob os flashes e a escuridão. Se teria vergonha, se se sentira vingada, pelo menos...
     Eu, jamais, é certo, teria coragem ou a crueldade suficiente para perguntá-la sobre um assunto desses... Talvez jamais a encontrasse de novo em um lugar daqueles. Podia tratar-se de uma amélia desvairada que, como eu, apenas entrara ali naquele dia e, depois, nunca mais. Eu não sabia. Uma gerente de banco em uma cidade distante? Uma noiva que teve o noivado acabado por uma proposta de trabalho no exterior, um namorado que não podia compreendê-la, um cafajeste que transara com sua ex-melhor amiga? Eu não saberia... A verdade é que ela era solitária demais para que eu pudesse romper qualquer regra da etiqueta e educação.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Outras Flores


Com rosas brancas empunhadas
Colho no campo outra revolução
Sem espinhos ou mais invernadas
Trago ramalhetes sem solidão!

Margaridas, crisântemos, lírios
Tulipas, orquídeas, tinhorão!
Todos os meus sonhos e idílios
As minhas noites passadas em vão!

E se quiseres minhas flores ver
Se elas quiseres ter em tua mão
Vem elas do meu peito colher

Que é nele que nascem então
flores de um tal bem-quer
Que entardece e não morre não.