quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Eduardo era...



Eduardo não tinha grandes amores. Não tinha nenhuma crença, não torcia para times de futebol, de basquete... Não adorava dobradinha nem feijoada. Não idolatrava a sua mãe, não sofria de paixões repentinas pela cor vermelha ou pelo verde, não odiava seu pai ou qualquer coisa que se pudesse mexer ou ficar invariavelmente imóvel. Ele não preferia calças ao invés de bermudas, nem black-tie à blazer ou chinelos à sapatos. Eduardo era como se fosse algo inventado de um pensamento malvado, como um boneco sem movimentos próprios, ou uma massa de modelar colorida, que nunca pudesse tomar forma que definisse alguma coisa sobre ele mesmo. Eduardo, eu creio, não era nem algo que se pudesse definir ao se ver – era realmente como uma idéia que se deixa de lado, um risco no quadro-negro feito de uma vontade de alguém, que jamais poderia ser ele - era como um disco de cores girando, em que era ao mesmo tempo todas as tonalidades e, no final das contas, apenas branco. Eduardo era quase essas coisas todas.
Definir Eduardo era, assim, quase impossível, mesmo estando ele ali parado e movendo-se com o vento, mesmo estando ele a falar idiomas estranhos e a vociferar impropérios e delicadezas em intonações que pouco indicavam a que se referia ou se tinha apreço ou desdém pelos outros. Não se podia, de certo, nem saber se Eduardo era dado a apreços e desprezos ou se sorria ou se tinha acabado de limpar lágrimas no rosto. Ninguém podia dizer se ele fora sofrido, se tivera sido ou era rico ou, se pelo contrário, amargurou sempre uma pobreza franciscana.
Eduardo podia ser tudo que se quisesse que ele fosse à uma primeira vista. Um grande amor, um bailarino de balé clássico, um bêbado fracassado, um empresário intransigente, um empregado extenuado no final de um expediente, um negro envolvente dos subúrbios boêmios e decrépitos, uma triste ou feliz incógnita. Era como se ele pudesse mesmo ser tudo da vontade de alguém, como em uma mágica de palavras secretas e proibidas.
Eduardo não era querido, não era odiado, não exalava cheiro, não fedia à peixe podre nem à perfumes caros colocados sobre o corpo em demasia. Era mais que isso, pensavam alguns sobre ele. Não era mais que nada diziam outros. E nesse transfigurar-se em tudo e nada, em tantos olhos velozes e cheios de vida própria, quem não quisesse nada com Eduardo, algum dia perdido, poderia notar...
Eduardo era só vontades.