domingo, 11 de outubro de 2009

Max Beckmann


Max Beckmann, pintor, escreveu o seguinte texto sobre a I Guerra Mundial, na qual foi obrigado a combater ao lado do exército alemão. Um dos textos mais belos que li nos últimos tempos. Um dia seremos arrastados à guerra, é certo. Mas ainda teremos a opção de não aceitá-la em nós mesmos.

“Eu fui através dos campos para evitar ruas retas, junto com as linhas de fogo onde as pessoas estavam atirando de uma colina pequena, que está agora coberta com cruzes de madeira e filas de túmulos ao invés de flores da primavera. Na minha esquerda os tiros tinham uma explosão aguda da infantaria, na minha direita dava para se ouvir tiros esporádicos de canhões trovejando - e acima o céu estava claro e o sol radiante, brilhando acima de todo o espaço. Estava tão lindo lá fora que mesmo o não-sentido da morte enorme - cuja música eu escuto de novo e de novo - não conseguia perturbar meu grande prazer!”

Max Beckmann.


P.S: A pintura desta postagem é do italiano Giuseppe Veneziano.

À Max Beckmann


Uma hora ou outra seremos arrastados à guerra – é certo. Não importa o quão desinteressados possamos ser. Uma hora iremos à guerra. E lá, armados com armas que nos deram os nossos irmãos, esqueceremos do que nos repugnava e nos causava ojeriza. E nós mesmos, felizes por estarmos em guerra e por dar uma satisfação à indignação de nossos irmãos, aprenderemos a guerra como se ela fosse nossa. E nos aviltaremos, perderemos o sentido de nós mesmos pela guerra, sentiremos o cheiro da podridão de nossos irmãos que agora é nosso cheiro também. Eles nos louvarão e será maravilho. Agarrarão nossos fuzis e atirarão para o alto as balas que não precisaríamos atirar. Anunciarão as mortes sob as quais tivemos responsabilidade, como troféus, e nós nos lembraremos dos rostos de cada corpo abandonado, como pasto de urubus ou como glórias necessárias. Choraremos nos braços de nossos irmãos, sem saber, é certo, se com remorso ou orgulho do dever cumprido. Nós, é certo, nos acharemos invencíveis. Nós, será claro, poderemos nos achar invencíveis. E beberemos a nossa invencibilidade esquecendo alguma coisa. E nos embriagaremos confundindo a felicidade com o torpor da vitória. Sim, nos esqueceremos, é uma pena, do sorriso, e nos defenderemos atrás de nossos capacetes, agora sujos e cheios das flores que nossas incógnitas mulheres, na multidão emocionada, nos jogam.
É certo que, em um momento ou outro, seremos arrastados à guerra. E lutaremos pela nossa honra - honra dos nossos irmãos. As crianças nos agradecerão sem saber o que é a guerra – e terão vontade de estar lá. E se alistarão nos exércitos das guerras de outros irmãos. É verdade que não quisemos ir à guerra. Tomávamos cerveja no bar da esquina todas as sextas-feiras. É verdade. Mas fomos arrastados à guerra. Não queríamos. É certo.
Vestimos, no entanto, o uniforme, empunhamos, outrossim, o fuzil, enchemos de água nossos cantis e de motivos nossos corações para que assim a nossa guerra fosse mais justa que a de nossos inimigos – inimigos de nossos irmãos – como se a justiça, de alguma maneira, pudesse vencer guerras. Puxaremos gatilhos, leremos cartas sentimentais de nossas presas abatidas (aquelas amassadas nas mãos dos soldados de Hollywood) e ainda assim as guardaremos para enrolar o próximo cigarro.
Nos acharemos justos, olharemos o sol que nos brilha sobre os olhos sem nos ofuscarmos – sim! Somos grandes e invencíveis - e assim singraremos os campos sob o som dos canhões altaneiros, seremos saudados por salvas de metralhadoras e olharemos, ainda, nos flanqueando, as colunas de prisioneiros mal alimentados que nos olham com piedade – a nós?
Uma hora ou outra seremos arrastados à guerra e sentados sob as tampas dos caixões de nossos irmãos, depois de finalmente dormirmos mais que seis horas seguidas, lembraremos de como é bom fumar um cigarro enrolado com as cartas sentimentais de nossas presas abatidas.