sexta-feira, 14 de maio de 2010

Heitor e a roda



Heitor não queria muito – tinha certeza de que não queria muito. Só não sabia o que queria precisamente, se algo tátil ou, ainda, movediço e ensolarado. Heitor não sabia, disso ele tinha certeza. Só não tinha certeza se as borboletas eram lagartas ou se os sapos-de-rabo seriam sapos. Ele nem sabia se deveria levar uma gangorra muito à sério, porque no final das contas ela só subia e descia mesmo e pronto.

Ele na verdade preferia a roda, a girar como pião no mesmo lugar, com os pés das crianças a empurrar com toda a energia para o lado - e aquela força encantada que vinha Deus sabe de onde a jogá-los para longe dela – e Heitor tinha tanta certeza de que gostava da roda, que não compreendia porque ela o queria afastar de si toda vez que a ia rodar.

Então ele lembrou-se que a ia visitar em todos os intervalos, em todas as aulas mortas, no jardim da infância, na alfabetização e nos recreios, com o contentamento infantil e ingênuo comum às crianças maravilhadas. E ao encontrá-la, sempre acompanhado dos seus colegas, ele girava, girava e girava até ver coloridas as cores misturadas virando um branco monótono e ligeiro, que passava por seus olhos como rabiscos no caderno de caligrafia que ele pouco visitava.

Heitor gostava de girar e pensava que girar a roda a agradava – porque como lhe parecia, na sua cabeça de criança, como as pessoas tinham sido feitas para serem felizes, as rodas haviam sido feitas para girar. Mas Heitor era criança - e as crianças têm a infantil tendência de conhecerem as coisas pelo que elas nasceram para ser, e não pelo que são. Isso só os adultos sabem e mesmo assim, só alguns - e errado.

Então Heitor foi crescendo, e girando como um carrossel sem cavalos nem carruagem, girando como sempre girara na roda e sentindo, invariavelmente, sobre seu corpo, a mesma força que deus sabe lá de onde vinha, tentar jogar-lhe pra fora do mundo ligeiro e branco da roda...

Até que um dia, Heitor já desconfiado, triste até de não saber o que poderia fazer a roda de sua infância feliz, conheceu a física... Um homem adulto, sisudo e grave como um acento grave em uma palavra qualquer, lhe desenhou uma roda no quadro negro.

O homem puxou uma seta de dentro da roda que, no quadro, nem sequer girava, e era estática. Então ele perguntou em voz alta e triunfal:

- O que acontece quando uma pessoa que está sentada na roda é girada com a roda?

Heitor, antes pouco interessado na aula taciturna e cheia de setas, logo respondeu:

- É jogado para fora, professor!
- E como se chama isso? (perguntou o professor animado com a participação do aluno)

Heitor pensou em várias coisas. Isso poderia se chamar repulsa, falta de amor, mágoa da roda que não queria ser girada por tantos meninos como tivera sido na sua infância, pensou em tudo e em quase tudo. E como não vinha resposta qualquer um suspense se instaurou... O mistério de toda uma vida nas mãos daquele homem?
Então o professor continuou:

- É a força centrífuga.

E Heitor, que sempre pensara que a roda não o amava e que quem conhecia a força encantada que o empurrava para fora era deus, descobriu, enfim, que bastava um desenho e uma seta e um professor taciturno para acabar com todo o encantamento de toda uma vida.