terça-feira, 27 de abril de 2010

Uma carta piegas


Escuto as correntes que arrastas nos corredores entrecortados por luzes opacas e frias... vejo tua dança lenta, teu rodopiar de vento de abril, teus olhos negros na negridão que ainda se avizinha...
Vejo o teu sorriso entre amargura, sinto uma alegria febril que não sabe se terá cura algum dia. Te amo e sinto medo do vaso que balança na esquina do quarto, ao lado da cortina que tremula e não deixa a luz entrar, de dia.
Então abraço-te vagarosamente no escuro, sem fazer barulho algum senão o do farfalhar da roupa e do calor que brota, como que fugitivo, da tua pele e da minha. Olhamo-nos agora, como espelhos um do outro, nos olhos quase fechados e cheios de lágrimas...
Há tanto a não dizer... há tanto... há tanto, que calamos no silêncio em que se comunicam as nossas almas. Deitamo-nos, entrelaçados, no chão do corredor que agora não é mais nada além de nós dois: Dos quartos escutamos rumores, arfares, solidões, outros idiomas que não entendemos. Dos quartos ouvimos outras vozes, de pessoas que não conhecemos. Dos quartos desconhecemos outros mundos infinitos como o corredor pode ser.
Desligamo-nos de tudo afim de que alcancemos mais além dos quartos, para que perscrutemos as janelas e os pássaros e os cais de portos e os navios que vieram de longe e suas gentes.
Voamos sobre os campos, sobre as copas de árvores que fazem sombra, sentimos o sol e o ar quente. Vemos verdes, azuis, pretos, brancos, roxos, lilases, vermelhos tórridos, laranjas aguados, rosas sem sal, marrons cheirosos, como não costumam ser os marrons, conhecemos, de uma vez e definitivamente, o que poderia ser o salmão que não é peixe e nos decepcionamos...
O mundo assim parece tão nosso quando estamos com as mãos dadas. O mundo assim é tão nosso...
- Mas não pintaremos as paredes de salmão.