domingo, 11 de outubro de 2009

À Max Beckmann


Uma hora ou outra seremos arrastados à guerra – é certo. Não importa o quão desinteressados possamos ser. Uma hora iremos à guerra. E lá, armados com armas que nos deram os nossos irmãos, esqueceremos do que nos repugnava e nos causava ojeriza. E nós mesmos, felizes por estarmos em guerra e por dar uma satisfação à indignação de nossos irmãos, aprenderemos a guerra como se ela fosse nossa. E nos aviltaremos, perderemos o sentido de nós mesmos pela guerra, sentiremos o cheiro da podridão de nossos irmãos que agora é nosso cheiro também. Eles nos louvarão e será maravilho. Agarrarão nossos fuzis e atirarão para o alto as balas que não precisaríamos atirar. Anunciarão as mortes sob as quais tivemos responsabilidade, como troféus, e nós nos lembraremos dos rostos de cada corpo abandonado, como pasto de urubus ou como glórias necessárias. Choraremos nos braços de nossos irmãos, sem saber, é certo, se com remorso ou orgulho do dever cumprido. Nós, é certo, nos acharemos invencíveis. Nós, será claro, poderemos nos achar invencíveis. E beberemos a nossa invencibilidade esquecendo alguma coisa. E nos embriagaremos confundindo a felicidade com o torpor da vitória. Sim, nos esqueceremos, é uma pena, do sorriso, e nos defenderemos atrás de nossos capacetes, agora sujos e cheios das flores que nossas incógnitas mulheres, na multidão emocionada, nos jogam.
É certo que, em um momento ou outro, seremos arrastados à guerra. E lutaremos pela nossa honra - honra dos nossos irmãos. As crianças nos agradecerão sem saber o que é a guerra – e terão vontade de estar lá. E se alistarão nos exércitos das guerras de outros irmãos. É verdade que não quisemos ir à guerra. Tomávamos cerveja no bar da esquina todas as sextas-feiras. É verdade. Mas fomos arrastados à guerra. Não queríamos. É certo.
Vestimos, no entanto, o uniforme, empunhamos, outrossim, o fuzil, enchemos de água nossos cantis e de motivos nossos corações para que assim a nossa guerra fosse mais justa que a de nossos inimigos – inimigos de nossos irmãos – como se a justiça, de alguma maneira, pudesse vencer guerras. Puxaremos gatilhos, leremos cartas sentimentais de nossas presas abatidas (aquelas amassadas nas mãos dos soldados de Hollywood) e ainda assim as guardaremos para enrolar o próximo cigarro.
Nos acharemos justos, olharemos o sol que nos brilha sobre os olhos sem nos ofuscarmos – sim! Somos grandes e invencíveis - e assim singraremos os campos sob o som dos canhões altaneiros, seremos saudados por salvas de metralhadoras e olharemos, ainda, nos flanqueando, as colunas de prisioneiros mal alimentados que nos olham com piedade – a nós?
Uma hora ou outra seremos arrastados à guerra e sentados sob as tampas dos caixões de nossos irmãos, depois de finalmente dormirmos mais que seis horas seguidas, lembraremos de como é bom fumar um cigarro enrolado com as cartas sentimentais de nossas presas abatidas.

Nenhum comentário: