quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ivan e a Dançarina


Ele sabia que ao nascer do dia nenhuma esperança estaria com ele – nenhuma. Por isso se despiu lentamente e banhou-se enquanto a luz do sol penetrava a sua casa – fria e lerda como costuma ser a luz no início dos dias. Naquela manhã nublada, a sensação embaçada de seus olhos mesclou-se com o cinza do céu e sua visão tornou-se opaca como as nuvens pesadas que chorariam, também como Ivan agora sob a água quente do chuveiro, chorava, antes do meio-dia.

E ele chorava por nem sabe o quê. Pela Dançarina de Jawlensky, em suas vestes vermelhas e seu sorriso perscrutador, pela mulher do vizinho, pelo filho que nunca teve – Ivan chorava pelo que poderia ser e não foi. Ivan queria pular dentro do quadro e convidá-la para dançar, queria mesmo tirá-la de lá. Mas ele não podia entrar em seu mundo – e ela ali sentada e sorrindo para ele, esfregava em sua cara que ele não podia fazer nada além de olhar – e que desse por isso graças a Deus. Ele também desejava a mulher do vizinho, e um filho com ela...

Ele queria! Queria mesmo!

Mas Ivan queria mais. Então depois de tomar o seu banho, vestiu sua melhor roupa e pegou um machado. Com ele tirou, em um só golpe, o quadro da parede e o deixou estatelado no chão de taco da sua casa. Queria ver como estava agora o rosto da dançarina em seu vestido vermelho. Como estaria? Rindo? - Por azar, a face ficara para baixo e ele não pode deter-se em outra tarefa que não golpear a moldura de madeira enquanto se perguntava mais e mais e de novo: estaria rindo a maldita?

E ele tirou dela tudo e deixou-a nua, sem margens para apoio ou sorrisos sarcásticos. Não acreditava que continuava sentada. – não isso não! Fez um monte com a madeira da moldura. Foi à venda da esquina da rua. Pediu uma garrafa de álcool e a embrulhou em papel de jornal. Depois, ao voltar para casa, prendeu a mulher amarrada a um cabo de vassoura, no centro das lascas de moldura e começou a jogar, lentamente, o álcool que tivera comprado.

Olhou-a mais uma vez - a viu deformada, torta, ondulada, comprimida entre as ataduras que ele tivera feito nela e no cabo de vassouras. Estava com medo! Sim, tinha medo, finalmente. Não sentiu pena, apesar de tudo. Acendeu um cigarro e decidiu que ela duraria, com aquela forma horrenda, não mais que três tragos.

E então fumou, fumou e fumou até que só lhe restasse uma brasa, até que cintilasse entre seus dedos aquele vermelho quente que coloria o vestido da dançarina. Ele guardou para si a última tragada de cigarro para jogar-lhe na cara, antes de lhe queimar como na inquisição, como uma bruxa presunçosa que na verdade se fazia de dançarina para lhe tirar o sono!

E ateou fogo nela – que ardia, ardia e ardia.

Jornal da Tarde – Manchete

CURTO-CIRCUITO CAUSA INCÊNDIO EM SUBÚRBIO

Uma casa foi engolida pelas chamas em um incêndio no subúrbio da cidade. O saldo da tragédia foi de um transeunte ferido com queimaduras leves e de um homem morto, provavelmente o dono da casa mais atingida, encontrado carbonizado no local. A polícia procura por parentes para fazer o reconhecimento do corpo.

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