segunda-feira, 30 de julho de 2007

Capítulo IV - Os Cães do Inferno



IV


As manhãs nasciam com um feixe do Sol no meu rosto. A cortina voando, entrecortava a explosão fria e clara do dia: o outono se fazia mais presente com a luz. As árvores nuas e o gramado coberto pelas folhas secas, decaídas na noite passada, pintavam essa manhã sedosa de marrom e cinza. Lumiere andava no telhado da casa quando, já totalmente levantado pus a cabeça fora da janela e pude ver a rua deserta. Era um Domingo e, fatalmente, fora talvez o primeiro a acordar em toda a rua, ou quem sabe em toda a cidade. Num lugar onde não se tem nada o que fazer, é preferível que se durma o máximo possível para que não se morra de tédio. Porém, por mais que tentasse retornar a cama e cerrar os olhos na escuridão das minhas pálpebras, a luz que adentrava o quarto tirava de mim a possibilidade da negridão noturna, e mesmo com os olhos fechados tinha o vermelho persistente provocado pela incisão da luz no meu rosto. De dia raramente podia sonhar: dizia tristemente. E evocando o passado pintado nos lençóis da cama, nas paredes intactas e brancas do quarto de casal que Heloísa tão habilmente havia decorado, maldizia o branco, e desejava as cores carcomidas dos meus olhos, talvez até o lúgubre cinza, ou o defectível marrom, mas, sobretudo, uma cor, ou a ausência dela, que eu tanto adorava. Observando essas coisas, o quanto não podia ver o branco sobre o branco da noite passada, buscava ávida e loucamente, nas cortinas pérolas e no chão atapetado um vestígio encardido da alva pele camponesa. Com os olhos abertos e ofuscados pelo sol, tateava, quase cego o colchão, já pronto pra levantar-me novamente. O fiz abruptamente, e a sensação levou-me à escuridão temporária, enquanto sorrateiramente caminhava descobrindo as sombras e a cortina parou de tremular. Mesmo no escuro, debaixo da cama, nos recantos perdidos do quarto não encontrava o meu branco, mas o de Heloísa somente, e o único vestígio do ontem era a própria Heloísa. Dando-me conta disso, suspirei um ar contido em meu peito, e com a mão no rosto, decidido a acordar, rumei para o banheiro com passos sôfregos e arrastados.

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