terça-feira, 22 de abril de 2014

Final do Mês


                Ela partiu - e foi como se as asas lhe tivessem sido cortadas por faca cega, como se em suas costas, antes de anjo, permanecesse apenas a falta de algo importante e esquecido. Não era acostumada a andar. Sentia suas pernas fracas para a caminhada que tanto adiou e que, agora, exigia a sua ida. Então, como algum pássaro que já não poderia voar, colocava pé em frente de pé e se esforçava, vagarosamente, para ultrapassar as distâncias que foram tão rapidamente atravessadas por um vôo cheio de ímpeto e esperança. Era preciso viver gritavam seus gênios, era preciso buscar o sentido perdido das coisas distantes, como a felicidade, a alegria e o amor.
                Ela recordava de outros tempos, coisas lançadas no fundo de um baú e que eram, enquanto ela arrumava a sua bagagem, substituídas pelas fotos novas que estavam pregadas na parede de seu quarto. De um lado retirava o primeiro beijo de sua vida, a fotografia de uma menina pequena de cabelos longos, um afago no colo, um abraço apertado... Do outro guardava uma gargalhada, um beijo apaixonado, os amigos abraçados, novas paisagens - e pela primeira vez ela vivia tudo assim junto, como se tais momentos fossem uma só vida e pertencessem a uma mesma mulher. E se perguntou antes de partir: do que são feitos os quilômetros afinal?
                Não pareciam ser mais que impressões ou ausências. Os quilômetros, enfim, não eram mais que a falta dos que ela amava tanto. Mudar-se, então era o exercício de andar, ir para longe, distanciar-se do amor conhecido, para enamorar-se do novo amor, o próximo em que os lábios dela podiam descansar e as fotos não fossem apenas lembranças de um tempo que, dividida, era duas mulheres: uma da infância com seus avós, e a de agora, madura.

                Assim ela se deu conta de que mudar-se não era apenas se distanciar quilômetros do conhecido, ou ainda, estar servida de faltas. Mudar-se era tornar-se, de um pulo, uma só. E tornar-se uma só, era, comumente, estar sozinha. Ela pela primeira vez tinha que bastar-se. Pegou suas malas pretas e seguiu para a gare: - era sempre complicado concluir profundidades no final do mês.

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