sexta-feira, 20 de junho de 2008

Os Cães do Inferno - Capítulo XII



XII

Também, como dona Milú, passou a vir à minha casa uma outra vizinha que morava na terceira casa da esquerda. Uma senhora gorda que tinha um marido desempregado e um filho gordo. Era D. Zulmira, Seu Nestor e Lula, o menino gordão. A mãe era quem sustentava a família fazendo doces que o garoto certamente comia na sua maioria. Quando vinha em casa, sempre trazia alguma coisa para oferecer e passava a manhã conversando com minha mulher, talvez na esperança de que, em algum dia, ela fizesse um grande pedido de doce que pudesse ajudá-la a levar a vida com mais facilidade. Era uma mulher dos seus cem quilos que parecia ter na garganta um alto falante e sempre ria fartamente com toda a força, até ficar vermelha - se sacudindo toda e depois tossindo pra tentar parar de rir. Tudo nela era demasiado grande - seios grandes, bunda grande e batida, decote grande, braços grossos demais, pernas de elefantíase descomunal. O filho a acompanhava no tamanho. A cara rosada, bem esticada e bochechuda. Tinha uma boca pequena, mas uma voz alta e fina. Os dedos das mãos eram de anões e sua barriga era enorme como os peitos da mãe. Assim como a mãe, vivia queixando-se de calor e era viciado em coca-cola - às vezes chegava a pensar que ela trazia os doces em troca dos litros de coca-cola que havia na minha geladeira. E quando o menino pedia para repetir o copo a mãe dizia:

- Só mais esse viu, filhinho?
Ao que o menino respondia rindo:
- Tá bom mãe - com aquela voz aguda e alta.

Então Heloísa enchia mais uma vez o copo do garoto e isso se seguia repetidas vezes até que acabasse a garrafa e a mãe dissesse por fim:

- Meu Deus, veja só! Acabamos com a garrafa! Já está bom Lula.
E Heloísa dizia:
- O que é isso Zulmira!? Deixe o menino se alimentar!

Então Áurea descia as escadas e procurava a coca-cola e não a encontrava em lugar nenhum senão na barriga de Lula. Eu, da escada, apenas ria e contava os segundos para ver Áurea passar por mim como um foguete praguejando contra a nova visita. Era quando chegava Nestor procurando a esposa que saíra de casa duas horas antes, mas que ele só sentira falta nesses últimos três minutos. Barrigudo, beberrão, com a barba por fazer há quatro dias - e que só faria quando sua esposa o obrigasse - um palito de dentes preso nos lábios e o rosto excessivamente oleoso, como se não o lavasse já há muito. Andava sempre com um palito na boca, e podia falar qualquer palavra com ele lá, sem nunca deixá-lo cair no chão - como fez questão de demonstrar-me quando veio pela primeira vez em minha casa. Pobre homem - agora eu sabia porque não conseguia emprego. Eu poderia dizer que não trabalhava desde os quatro anos de Áurea, e constatando que minha filha tinha dezesseis, quase dezessete anos, afirmaria que Nestor não trabalhava há doze anos. Essa era a sua profissão. E eu sentia a desgraça encarnada nele. Mas sua esposa, toda vez que o via, enchia-se de vida e, apesar de Nestor não ser mais do que um pobre desempregado, aquela mulher gorda e ensebada, virava outra, e seus olhos alagavam-se de lágrimas felizes até que ela falasse:

- Esse é meu homem! Já vou voltar querido.
Ao que ele respondia sorrido.
- Já tá quase na hora do almoço amorzinho. Vamos indo Lula.
- Ah pai. Espera eu ir no banheiro.
- Nada disso. Vai lá em casa mesmo.

Depois iam embora. Zulmira toda orgulhosa, Nestor arrastando o menino pela orelha, e Lula com as calças completamente molhadas do que antes fora coca-cola.

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