quarta-feira, 19 de março de 2008

Parábola dos Ricos



Isso deverá vir como uma carta fechada ou com uma página antecedendo com os dizeres: cuidado , parábola curta e grossa.


Parábola dos ricos


Era um casebre. O ano não interessa - isso se repete todos os anos e dias que se possa imaginar. O lugar... bem o lugar pode ser em Alto Condado mesmo - porque Alto Condado é em todo canto. Existia um pobre e um rico - e você já pensa o como essa história é batida e chata. E na verdade é tudo isso mesmo, e se quer saber me faria um grande favor se pulasse essa parábola. Mas à mim cabe escrever para os que não desistiram. Então...
Estamos na favela. É uma daquelas festas onde pobre come - e existem no ano ao todo quatro: A páscoa, Quaresma, Cosme e Damião e Natal - no resto do ano pobre vive de um jeito que ninguém descobriu ainda. Mas vive, certamente, até o próximo natal onde os homens de bom coração sobem o morro e, caridosamente, enchem a pança da meninada que já nasce de bucho grande e inchado. As mães, desconfiadas, ainda conseguem um sorriso murcho e sem força, mas no fim agradecem e dizem, com os braços erguidos para o céu: graças a Deus.- amém. Mas deixemos isso para lá porque ainda não chegou o natal. É outra festa.

As crias pobres:

Um menino brinca com seu pai no campo pelado do topo do morro. Rola a bola pro guri. Ele chuta e o pai, goleiro, esforça-se para defender a tumba colocada do filho. A pelota voa bem onde a coruja dorme - gol, grita o filho - o goleiro, derrotado no seu vôo, ri fartamente dizendo que ele se tornará um ótimo e rico atacante de algum time italiano. As roupas encharcadas de suor e barro molhado, terminam compondo o quadro. O pai manda o menino pro gol, o guri se nega, o pai o chama de desgraçado e sai correndo pesadamente atrás do filho que ri de morrer - eu sou é atacante, goleiro frangueiro! Depois abraçam-se e entram no barraco juntos, como duas bolotas de barro coladas.


Os infantes ricos:

O Henrique Lisboa, filho primogênito do casamento de Laurinha Meneses e Rodolfo Lisboa, dá o seu mirim ar da graça no clube de tênis Sabournai - diz a coluna social dum jornal qualquer. Nas calorosas tardes de Quinta -feira o garoto marca presença com o seu técnico, o especialíssimo Ricardo Ruiz para pôr em ordem seu porte todo atlético - continua a ler o pai sentado numa poltrona confortável de qualquer grande mansão de Alto Condado. Eles nem se viram hoje, mas o pai está todo orgulhoso e chama a mãe para mostrar a grande matéria jornalística. Ela diz que não tem tempo, porque está organizando um five o’clock beneficente na casa de Lucinha Brandão. O pai joga o jornal do lado, ajeita a gravata, chama o motorista e sai pra trabalhar.

à noite, um pobre motorista chegando no seu barraco após um dia cansativo de trabalho comenta com sua tísica mulher:
As crias pobres tem tudo e não possuem nada. Os infantes ricos possuem tudo mas não tem nada.
ao que a mulher responde acabrunhada:
Tá doido é homem! tu nunca fosse de dizer essas coisa ilustrada! Foi o Doutor que te disse?
ao que ele respondeu:

não. eu li no jornal. sabe... até que naquelas colunas sociais tem alguma coisa que presta.

Um comentário:

Arnaldo S. C. Silva disse...

Fico feliz por ter recebido bem meus comentários. O que quero principalmente lhe dizer é que tome de cuidado com proposiões auto-referentes.
Ex.: Você escreveu: "como um bêbado".
Um bebado quer dizer um bêbado específico entre todos os bêbados.
Vc deve então escrever assim " como bêbado ".
Este "bebado específico" você está se reportando a alguém que vc já viu, em sua vida, em algum momento.
Deu para sacar ?!! Assim sendo torna-se escrita auto-referente.